Por: Karine Melo

 

Ao falarmos de gratidão, remetemos uma ideia de um ato de agradecer a algo ou a alguém, ou até mesmo gratidão no sentido de apreciação, pelo dia, pelo sol, por respirar, mas que gratidão é essa que vai além da emoção?

Uma gratidão que vai além da emoção é denominada por Howells (2012) gratidão como pedagogia, que surge como uma abordagem para aprendizagem e ensino que envolve ativamente o reconhecimento do que temos ou recebemos e a ação consciente de querer retribuir de alguma forma.

É também uma atitude interior que pode ser entendida como o oposto de ressentimento ou reclamação, podendo ser compreendida em três dimensões: doador, receptor e presente.

O conceito vem romper com a ideia que não precisamos estar gratos o tempo todo para praticar a gratidão, pois gratidão em ação difere do sentir gratidão o tempo todo para agir, pois “a gratidão pode ser vista como mais relevante para listas de valores ou declarações de missão do que como um fio condutor que pode percorrer nossos currículos” (HOWELLS, 2012, p. 1 – tradução nossa).

Uma característica marcante da gratidão como pedagogia é dar sem esperar nada em troca, sendo um processo relacional, no qual precisa antes de tudo ser sentida e assim externalizada na prática educacional do professor. Para Howells (2021a, p. 25 – tradução nossa), as características de profunda gratidão acontecem quando passa do estágio de apreciação para a ação, no qual:

a) Constrói e mantém relacionamentos;

b) Começa com uma sensação de deleite, apreciação, admiração ou surpresa;

c) Aprofunda quando expresso por meio da ação;

d) Precisa ser posta em prática e praticada, não apenas pensada ou sentida;

e) Gera mais gratidão;

f) Fica mais profundo com o tempo;

g) Cultiva um senso de interconexão e interdependência;

h) Envolve uma dinâmica de dar e receber;

i) Não espera nada em troca ou qualquer mudança em outro;

j) Amplia nossa consciência do bem nos outros;

k) Nos ajuda a ver onde temos ressentimento;

l) Influencia a nós e ao mundo de maneiras que talvez nunca percebamos.

E foi nessa perspectiva que 32 alunos da disciplina Metodologias e Aprendizagem, do Mestrado em Educação em Ciências e Matemática (UFPE/CAA), da Universidade Federal de Pernambuco, no campus Caruaru, saíram do sertão e do litoral do Estado, coordenado por dois professores e com o apoio da Prefeitura Municipal de Paudalho viabilizando alojamento e comida, realizaram uma imersão no Colégio Municipal de Paudalho em dois finais de semana.

Nesta imersão, estruturada a partir da tendência pedagógica Gratidão como Pedagogia, apresentada pelo documento Innovating Pedagogy, em 2021, pela Open University do Reino Unido, foi vivenciado com os alunos o estado de preparação, que é uma  atitude íntima de uma escuta de si para uma reflexão e ação, é um momento de preparação do ser com gratidão. Quando  professores/alunos examinam suas atitudes mais íntimas, a efeito que isso tem tanto na prática de ensino quanto na capacidade de aprendizagem,  possibilita, uma preparação para estarem mais ativos e acordados  em sala de aula.

Esta etapa foi concretizada 11 dias antes da aula presencial, a partir de um app alemdaemocao, elaborado com exclusividade para a disciplina, que proporcionou aos alunos novas perspectivas de olhares e sentidos, compartilhados ao pôr do sol em um cenário contemplativo da estação ferroviária.

No caminhar da disciplina, várias práticas de gratidão foram executadas, mas como ápice da culminância da disciplina na perspectiva da gratidão como ação, foi realizado no segundo final de semana da imersão o Festival da gratidão no Colégio Municipal de Paudalho (CMP) nos turnos manhã, tarde e noite. Pois, para Howells (2012 , p. 36 – tradução nossa), “a gratidão é mais do que uma emoção ou modo de pensar, porque envolve algum tipo de ação. Sem esta ação, não é gratidão, mas outra coisa – talvez apreciação ou agradecimento”.

Este festival teve como objetivo possibilitar uma maior aprendizagem e apropriação da cultura local, além de desenvolver o sentimento de pertencimento ao CMP e ao município, provocando uma dinâmica afetiva para com a instituição, por meio de cursos nas áreas de fotografia, música, dança, tecnologias digitais, jogos, ciência das emoções, culinária e história da cidade.

Não era apenas um festival movido a danças e apresentações, mas sobretudo aprendizagens, afeto, trocas e polinização. Pois, segundo La Torre e Moraes (2018), “semeamos com nossas palavras, gestos, crenças, valores, convicções, exemplos, mas não sabemos onde essa semente cai, nem em quem germinará e florescerá”. O que sabemos é que o pólen foi lançado e a gratidão vem sendo polinizada. Com  o término da disciplina, os envolvidos com a mesma (professores e mestrandos) escreveram cartas de gratidão para os professores e demais funcionários da escola que nos abraçaram para essa grande imersão no chão da escola.

Pois a gratidão como pedagogia, é para além da perspectiva de si, mas sobretudo da importância do outro e o fortalecimento de quanto juntos podem ser capazes de tantas transformações. Assim, Howells (2012), aponta que a gratidão pode ser um antídoto para uma cultura de reclamação e para melhorar o aprendizado dos alunos, mas para que a inclusão seja de forma completa, a participação seja voluntária e com participação de todos na instituição.

 

 

Referências externas

HOWELLS, K. (2012). Gratitude in education: A radical view. Rotterdam: Sense Publishers. doi:10.1007/978-94-6091-814-8

HOWELLS, K. (2021). Untangling you: How can I be grateful when I feel so resentful? Melbourne: Major Street Publishing.

TORRE, Saturnino de La Torre; MORAES, Maria Cândida (Org). Sentirpensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2018

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